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Árbitro Carlos Bernardes critica CBT em entrevista exclusiva a Tenis News

Domingo, 28 de agosto 2005 às 23:00:00 AMT

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Carlos Bernardes
Entrevista feita por Fabrizio Gallas, editor-chefe Tênis News

A Tênis News teve, nesta semana, a honra de entrevistar um dos árbitros de cadeira mais conceituados do mundo, o brasileiro Carlos Bernardes direto de New Haven, EUA. Bernardes faz parte do quadro da ATP e na última semana fez a final do Masters Series de Cincinnati entre Federer e Roddick.


Dentre alguns assuntos abordados, Carlos Alberto Bernardes Jr., que completa 41 anos nesta quinta, dia 1º de setembro e nascido em São Caetano do Sul (SP), fala sobre sua trajetória, alguns atributos do árbitro de cadeira, fatos marcantes, Copa Davis e faz duras críticas contra a CBT. Segundo ele, a entidade deixou não só ele como também diversos árbitros indignados com a federação. Confira!

Entrevista:

Tênis News: Como você começou no tênis e por que escolheu ser árbitro ?

Carlos Bernardes - Bem, eu comecei em São Caetano. Pulava o muro do Estádio Lauro Gomes e jogava tênis lá final de semana. Daí virei professor com 16 anos. Nunca ninguém jogou tênis na minha família. Eu comecei com arbitragem quando o Brasil organizou uma Federation Cup no Clube Pinheiros. Este foi o meu primeiro torneio. Nunca pensei em ser árbitro.

TN - Em que ano foi este torneio ?

CB - Talvez 85 ou 86 nao me lembro bem.

TN - Então a arbitragem surgiu sem que você esperasse? A partir daí você curtiu e seguiu a profissão?

CB - Mais ou menos. Em um estágio, o Brasil tinha mais de 23 semanas de torneios entre challengers e ATP.
Minha chefe me disse que eu teria que escolher. Acho que escolhi o correto apesar de adorar dar aulas.

TN - Passada essas experiências iniciais, como foi sua trajetória até chegar na ATP ?

CB - Comecei com muitos torneios pequenos no Brasil, América do Sul e juiz de linha nos Estados Unidos.

TN -Você se candidatou, foi selecionado pela ATP, como foi essa transição ?

CB - Bem, em 90 a ATP e a ITF se separaram e eu estava fazendo muitos torneios para a ATP. Daí me convidaram para fazer mais torneios e assim comecei.

TN - Qual foi seu primeiro ATP e como você se sentiu ? Ficou nervoso nos jogos ?

CB - Primeiro alguns torneios na América do Sul depois Estados Unidos e o mundo. Como designado, fiz alguns Tours na América do Sul. Não me lembro do jogo mas sei que fiquei nervoso sim, mas nada aconteceu.

TN - Como é a preparação de um árbitro de tênis ?

CB - Começa no dia anterior, quando você sabe os jogos que irá fazer no dia seguinte. Aí no dia seguinte você tem que estar no torneio pelo menos uma hora antes do seu jogo, ver todo o equipamento, e esperar até a hora da partida.

TN - E a ATP exige algum tipo de preparação física ?

CB - Sim. Mais especificamente exames de vista todos os anos.

TN - Como é a escolha de árbitros para os torneios ?

CB - A ATP indica. Temos um calendário como os jogadores. Em outubro mais ou menos já sabemos o que fazer no ano seguinte.

TN - Qual a principal característica de um árbitro de tênis ?

CB - Honestidade. Ele tem que ser honesto nas decisões. Não mentir. Às vezes é muito melhor admitir que errou ou que não viu do que confirmar uma bola que não tem certeza. Os jogadores sabem quando você mente.

TN- E quando voce "passa por cima" de uma marcação de um juiz de linha e depois assimila que errou. Como se sente ?

CB - Muito mal. Mas faz parte da profissão, não somos máquina, é muita coisa.

TN - E quantos árbitros se revezam nos torneios entre ATP, Masters Series e Grand Slams ?

CB - Depende do torneio, do tamanho. Por exemplo, o US Open (Grand Slam) e o New Haven (ATP). São 5 da ITF e vão 2 da ATP e mais cerca de 20 que vão se revezando.

TN - E qual ou quais de todos esses torneios você mais gosta de arbitrar seja pelo lugar ou pela organização?

CB - Roland Garros, lugar lindo. Monte Carlo, Barcelona, Bangkok, Pequim, São Petersburgo.

TN - E o Aberto do Brasil na Costa do Sauípe ?

CB – É um dos torneios mais bonitos do mundo. O lugar é fantastico e a organização é excelente.

TN - Hoje em dia o Brasil Open é um ATP, com premiação mais baixa e jogado na mesma semana que torneios que têm maior premiação e mais visibilidade. Você acha que um dia poderemos ter mais visibilidade e trazer um Federer ou Agassi por aqui ?

CB - Não. Muito difícil. Muito dinheiro para garantias e não é muito viável para eles. Uma exibição pode ser.
Em torneios acho meio que impossivel. Até o Nadal vai ser difícil voltar. Quem viu, viu (risos).

TN - E como está seu calendário para o fim do ano?

CB - Vou a Nova York, depois paro duas semanas em casa. Vou à semi da Copa Davis em Bratislava, para fazer Argentina e Eslováquia. Também irei à Palermo, Viena, Metz e termino no Masters Series de Madrid. Talvez o Challenger de Sergipe.

TN - Quais os jogos, ou o jogo mais marcante na sua carreira?

CB - Final do Master Cup Xangai. Finais dos Masters Series, todos. Quartas de Final em Roland Garros. E acho que esta semi da Davis será um deles tambem.

TN - Qual jogador que mais gosta de ver jogar hoje em dia ?

CB - Não tem um jogador. Mas um jogo bom. Eu sei apreciar um jogo bom. Se só há um bom na quadra, o jogo não vai ser bom. É legal ver um jogo disputado de homem ou mulher, duplas ou simples.

TN – O que os árbitros fazem quando têm aquela folga entre os jogos ?

CB - Nada demais. Aqui (New Haven) nada realmente, estamos muito longe da cidade. Jantamos e volto ao hotel e falo com a familia. Fico com amigos na internet. Mas há outros torneios que vamos a algum lugar para conhecer. É muito legal a oportunidade de conhecer o mundo fazendo o que se gosta. Eu aproveito bem.

TN - Você tem algum sonho ainda não realizado em sua carreira ?

CB - Final de um Grand Slam, talvez. Mas acho impossivel. É da ITF e eles têm os árbitros deles. E eu não sou de nenhum país que realiza um Grand Slam.

TN - Se te escalassem para uma final do US Open desse ano: Nadal x Federer. Conseguiria dormir na noite anterior ?

CB - Sim. Já fiz este jogo (em Miami 2004, Nadal venceu). Será um sonho, mas dormiria tranqüilo. Não sei no dia seguinte, mas dormir não teria problema não (risos).

TN - E em jogos de Copa Davis? Estes são diferentes?

CB - Bem diferentes. Há a competição de países. Muito mais nervosismo do que em um torneio normal.
A torcida se envolve com o jogo. É muito legal.

TN - Qual foi o confronto de Davis mais problemático em que você esteve presente ?

CB - Chile e Argentina. Aquele das cadeiras voando (em 1998, Argentina venceu por 4 a 1, no Chile). Eu não estava arbitrando o jogo, estava fora, tinha feito o jogo do Marcelo Rios antes. O estádio tinha umas 16 mil pessoas. Uma loucura. Muitas coisas erradas aconteceram, foi um conjunto. Estádio cheio e ainda em reforma com cadeiras não fixas, preços populares, muita gente nunca tinha visto uma partida ao vivo. (Depois desse episódio, o Chile foi suspenso por dois anos e rebaixado na competição).

TN - O Brasil foi rebaixado à terceira divisão da competição e tenta agora se reerguer. Com essa equipe atual você acha que podemos voltar ao Grupo Mundial ?

CB - Sim. É uma equipe forte e jogar em casa é um fator positivo, mesmo com a presença de um Guga “baleado”.

TN – E agora com essa nova direção da CBT, com o presidente Jorge Lacerda, o tênis do país pode melhorar, ir para frente e não se estagnar como foi na epoca do Nastás ?

CB - Não sei. Eles demitiram o Ricardo Reis. O Ricardo fazia parte da organização do quadro de arbitragem da CBT, desde juvenil até profissional. Acho que desde que o Nelson assumiu, se não estou enganado. Há muitos anos.
Se você vai colocar alguém, tem que ser alguém melhor ou com experiência no dia a dia, não se pode colocar alguém que não esteja vivendo o tênis diariamente. A arbitragem diariamente, não é tão simples assim.

TN - E hoje em dia, quem está exercendo o cargo que era destinado ao Ricardo ?

CB - Não tenho idéia. Todos os outros árbitros capacitados estão trabalhando fora.

TN - Qual seria, na sua opinião, o motivo da demissão ? Corte de gastos ?

CB - Não sei. Espero que não tenha sido política. Nem bairrismo. Nem vingança. Nada disso.
Você sabe quantos foram mandados embora?

TN - Não. Quantos ?

CB - Quase todos! De várias áreas desde a arbitragem até escritório. Parece que só há um que tomou conta dos computadores, se não me engano. Quase todos eram da época dos Nastás e estão todos na rua!

TN - Então a CBT hoje está pondo pessoas novas com não tanto contato com o esporte como estes que estavam lá?

CB - É. Pode ser. Deve ter algumas pessoas como o Mauro Menezes ou o César Kist que vivem do tênis. Mas há outros setores que necessitam pessoas assim. A arbitragem é assim.

TN - A imprensa não tem divulgado esse corte geral...

CB - Não. Nada.

TN - Acredita que a CBT está, de uma forma, escondendo o caso ?

CB - Não sei.

TN - Você conhece o presidente Jorge Rosa ?

CB - Não. Não me lembro se já me encontrei com ele, acho que não.

TN - Então há uma indignação dos árbitros contra a CBT, correto ?

CB - Sim. Todos que eu tenho conversado estão muito chateados. O Adão (Chagas), Beto (Roberto Almeida), Paulinha (Paula Capulo) entre outros. A lista seria enorme. Todos que já trabalharam e trabalham em algum torneio de tênis aqui e fora.

TN - A CBT se pronunciou sobre o caso com vocês ?

CB – Não. TN - Vocês pretendem elaborar algum protesto contra a entidade ?

CB - Eu escrevi um e-mail para a CBT, perguntando sobre o Ricardo, vou esperar para ver o que me respondem. Perguntei para eles a razão da demissão. Vamos ver para crer. Ainda não sei se faremos algum protesto. Não sabemos como isto prejudicará os outros árbitros. Você se lembra quando eu disse de vingança ou bairrismo? Não quero que os outros também sofram como o Ricardo esta sofrendo agora, vamos esperar a CBT se pronunciar.

TN - Mas durante a Copa Davis, em Joinville, a CBT promoveu diversos cursos, dentre eles um sobre capacitação de árbitros.

CB - É, mas como você vai ensinar algo se você não sabe...

TN - Então você acha que essa iniciativa da CBT em dar curso teria sido uma perda de tempo e sem nenhuma utilidade ?

CB - Bem, se você não tem nenhuma pessoa capacitada para dar um curso, eu acho que sim. Não sei quem deu o curso.

TN - Para encerrar este assunto. Você acredita que a CBT está num caminho errado ao demitir todos ligados a arbitragem e também por inserir pessoas não qualificadas o bastante? E também há uma indignação dos árbitros em geral?

CB – Certo. Eu espero que este erro seja corrigido.

TN - Para finalizar a entrevista, uma curiosidade. Pelo que vejo em seus jogos, sempre que você é filmado, você põe a sola do sapato em cima da câmera. Coincidência, superstição ?

CB – Não (risos). Eu fiz a brincadeira uma vez e eles gostaram. Agora sempre pedem para fazê-lo. Sou muito amigo deles, do pessoal da TV. Em torneios Masters Series são sempre os mesmos.

Carlos Bernardes - cbernardes@atptennis.com
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