Por Fabrizio Gallas, Tênis News
Aos 27 anos, Marcos Daniel, número um do Brasil no fim de 2005 e atual segundo melhor tenista do país (91o. da ATP), concedeu entrevista exclusiva a Tênis News direto de Buenos Aires. O gaúcho de Passo Fundo, que foi eliminado na primeira rodada do ATP local, contou sobre o início de sua carreira no tênis, falou pela primeira vez sobre sua não convocação para o confronto Brasil-Peru na Copa Davis, além de afirmar que hoje está sem técnico e pretende treinar com grupos de jogadores argentinos.
Ficha Técnica
Nome: Marcos Diniz Daniel
Data e Local de Nascimento: 04/07/1978
Altura: 1,80m
Peso: 79kg
Empunhadura: Destro
Ano de Profissionalização: 1997
Tênis News – Em que jogador de tênis você se espelhava quando criança e como começou a carreira ?
Marcos Daniel – Sonhava sempre, mas parecia muito distante da realidade pois eu morava no interior onde muito pouca gente jogava. Eu olhava na TV de vez em quando e via o Boris Becker (ALE) jogando, achava bonito o estilo de jogo dele, mas me espelhar não. Comecei a jogar bem naturalmente, quando vi fui jogando, vi que tinha nível para jogar torneios estaduais e assim foi. Meu primeiro contato com a raquete foi com 4 ou 5 anos de idade, mas sem técnico, sem nada. Depois parei, era bem de brincadeira. Aí com 8 anos joguei torneiozinho depois parei mais um ano. Com 11 anos comecei a fazer umas aulas, treinamentos e num dia tinha perdido para um gurizão. Treinei bastante joguei com ele de novo, ganhei, aí continuei treinando gostei, ganhei um estadual e foi assim mais ou menos.
TN – E você tem uma ligação forte com o futebol. Seu primo é o Carlos Eugenio Simon, um dos maiores árbitros do Brasil.
MD – Meu primo é sim, um dos melhores , família toda ligada ao futebol, tenho mais um primo que foi técnico do Cascavel.
TN – E o Inter, seu time de coração, como está ?
MD – Vamos ver agora na Libertadores se a gente desencanta. O time tá organizado e vamos ver se está melhor que no ano passado.
TN – Esse ano de 2005 foi com certeza o melhor da sua carreira, principalmente esse final, quando ganhou Challengers e se tornou o número um do Brasil. A que se deveu essa grande atuação ?
MD – Foi amadurecimento. Eu vinha jogando bem já há algum tempo, apesar de me sentir um pouco distante do que podia render. Daí foi um negócio bem tranqüilo, segui jogando, fui amadurecendo, passei a sentir onde que eu podia melhorar no meu jogo, sabia onde podia apertar e me soltar um pouquinho. Tive que me dar conta disso sozinho, pois o tempo inteiro, em minha carreira, viajei por minha conta. O caminho estava sendo mais difícil, mas consegui descobrir isso ano passado e a partir daí os resultados começaram a aparecer. No início do ano não estava jogando muito bem, mas eu tava treinando bastante como sempre, mas não apareceu e mais ou menos é o que está acontecendo neste ano, ainda não me senti legal e espero agora tirar uns dias para fazer uma mini pré-temporada para adquirir um pouco velocidade que é o que falta, por eu não ter feito um treinamento adequado.
TN - E por que não fez um treinamento adequado ? Algo relacionado à contusão no pé que teve no Challenger de Aracaju ano passado ?
MD – Foi. Eu contundi alí. Acabei não podendo jogar até dia 18 de dezembro e já no dia 26 fui viajar, mas acabou que não dava para me mexer direito. Até que eu bati uma bola, mas treinamento físico foi um pouco de musculação somente. Não deu tempo para treinar, mas é coisa que acontece e agora é correr atrás, já passou e quero recuperar o tempo perdido.
TN – Agora você viaja sozinho ou vai com seu técnico ?
MD – Não, no início do ano eu viajei com meu irmão que era meu técnico, agora não estou mais com ele devido à dificuldade de viajar. No momento, estou vendo se entro em algum grupo de jogadores. Se não conseguir nenhum técnico por agora, provavelmente eu vá entrar numa equipe com uns argentinos, pois eles têm bastante jogadores e técnicos no circuito e acaba que se divide as despesas e fica mais em conta. Outro fator é pela facilidade que tenho em lidar com os argentinos em vários grupos. Não pretendo me mudar para a Argentina, mas sim treinar com o pessoal. Até agora falei com eles se posso passar uns dias treinando e vamos ver o que acontece nas viagens. Vou tentar entrar em algum grupo para ter alguém mais junto dando um apoio nos treinamentos.
TN – Então para confirmar: você atualmente está sem técnico ?
MD – Sim, estou sem ninguém. Atualmente viajo com minha esposa. Ela foi comigo para Viña del Mar, aqui em Buenos Aires e vai para o Sauípe pela facilidade de ser no Brasil. Aqui perto ela vai e longe é mais difícil. Mas é isso, estou sem técnico.
TN – Qual a sensação de ser número um do Brasil ?
MD – É bacana, é jóia! Quando tu és juvenil, você sonha querer ser o número um do Brasil em cada categoria e no profissional também. Mas o que sempre sonhei é tentar jogar meu melhor, mas tive muitos problemas na carreira e não pude nunca jogar o que gostaria. Sabia que podia render mais, mas por uma série de fatores não conseguia.
TN – Quais fatores ?
MD – Passei o juvenil como um dos melhores do mundo, depois saí para o profissional com 18 anos, como 200 e pouco do mundo, mas infelizmente tive um probleminha. Fiquei um tempo sem jogar, voltei a atuar e não conseguia jogar bem e aí veio contusão. E contusão é aquela coisa, você vê o Guga agora, essa lesão prejudicou sua carreira praticamente no final. E quando é no início de carreira é pior ainda porque você ainda não adquiriu toda a confiança necessária num momento bom para embalar, então você não consegue, é complicado. E eu com uma série de probleminhas que tive, ainda consegui dar a volta por cima e chegar entre os 100 melhores. No Brasil às vezes não se dá muita atenção a isso até porque a torcida quer jogadores de ponta.
TN – Muito disso vem com o Guga que foi número um do mundo, correto ?
MD - Sim, o Guga é uma coisa à parte, as pessoas têm que cair na real que não nasce um Guga todos os dias. Têm uns jogadores que estão batalhando, lutando, buscando seu espaço e inclusive aqui na Argentina mesmo vejo uns jovens 400 do mundo se dando muito bem com os de ponta como o Nalbandian, o Coria. Só que o pessoal sabe que é no trabalho. Enquanto aqui no Brasil só se querem ídolos. Acho que a CBT agora está com um projeto bacana para ajudar os jogadores que estão subindo e isso pode vir a ajudar no desenvolvimento e com maior quantidade acaba vindo qualidade também. Acho que a gente tem que se espelhar aqui na Argentina. Os piores daqui estão com melhor ranking que os nossos.
TN – Você aponta algum juvenil que poderia ser Top 100 ?
MD – Para dizer a verdade, qualidade sempre existiu nos juvenis brasileiros. Mas existe um pessoal que se perde no caminho. Talvez a falta de acompanhamento. Jogar tênis somente não é fácil, o cara tem que batalhar, suar a camisa para poder chegar. Está todo mundo querendo chegar entre os cem e cada vez tem mais dinheiro envolvido e acho que deve-se trabalhar duro e o brasileiro é um pouco folgado neste aspecto. Eu só consegui me manter no circuto sozinho e viajando e fazer o que fiz e chegar a 100 do mundo com zero de dinheiro, tendo que jogar torneios interclubes de premiação. Me deixa muito feliz de ter conseguido. Minha realidade foi essa e espero que os que estão surgindo agora tenham melhor estrutura, mas isso não impede de o cara ter que trabalhar duro e treinar feito “bicho”. Tem que batalhar.
TN – E sobre seu futuro na carreira ?
MD – Eu quero tentar, em curto prazo, me preparar melhor para o resto da temporada. Depois de Acapulco eu paro, quero ficar duas ou três semanas treinando. Acho que vou priorizar torneios no saibro como fiz ano passado e não ficar mudando muito de superfície por causa da adaptação. Então prefiro dar uma seqüência maior em um tipo de quadra que seja sempre rápida. Provalmente eu deva fazer um circuito de saibro e alguns torneios no México. Tenho uns dias para pensar e ver meu calendário. O que eu quero agora é treinar, melhorar, mas independente disso eu tô jogando melhor do que eu tava no início do ano. Estava com um pouco de dificuldade de correr por causa da lesão no pé.
TN – E agora como está ?
MD – Estou melhor, no início do ano estava com dificuldades para correr. Ainda tenho dor, mas não me impede de joga. Antes tava com dor. Por exemplo, em Viña del Mar estava com muita dor. De todos os torneios, em Chennai, Australian Open, até Viña del Mar eu joguei com bastante dor. No Australian Open senti também, mas eu desisti pois saíam bolhas de sangue por toda mão, até pela falta de ritmo de jogo. (Daniel desistiu no terceiro set na estréia diante do francês Julien Benneteau). Tava com muita dor e sem poder me mexer direito e nesse nível sem se mexer não dá, esquece, tem que estar na ponta dos cascos.
TN – E o que passou pela sua cabeça não ser convocado para a Copa Davis neste confronto contra o Peru já que você é o atual número dois do país ?
MD - A única coisa é que eu fiquei um pouco triste, mas a gente sabe que os jogadores que foram atuar estavam capacitados também. O Ricardo Mello e o restante do pessoal e eu realmente também estariamos, mas é opção do Fernando Meligeni. Não tinha dado nenhuma entrevista a respeito disso e obviamente que sempre a gente quer chegar, mas infelizmente não deu. Não depende de mim e eu tenho só que trabalhar para melhorar. Preciso melhorar para vir a ser chamado uma vez.
TN – E a dupla que você formou agora com o Flavio Saretta em Buenos Aires, possível dupla da Copa Davis ?
MD – Já tinha jogado com Saretta uma vez num Challenger em que fizemos a final. Legal jogar com o Saretta ele devolve bem o saque. Não sei se podia ser uma dupla para a Davis pois tem o André Sá e o resto dos jogadores que atuam na equipe, mas claro que seria uma boa.
TN - Após a convocação da Davis, muito se falou de uma equipe fechada, e talvez existisse um boicote aos jogadores gaúchos. Que pensa sobre isso ?
MD – Temos que esperar para ver. Não adianta dizer. Não cabe dizer se há ou não isso. O pessoal viu que não fui chamado. Mas a única coisa que realmente fiquei bem chateado não foi a não convocação, mas sim saber que estou com um ranking bom e não recebi sequer uma ligação, nenhum telefonema para dizer “Olha Daniel estamos de olho”. Fiquei triste por isso. A não convocação é opção do capitão, ele fala o que quiser, diz o que quer...
TN - Na coletiva, Fernando Meligeni havia dito que a convocação se deu por questões técnicas...
MD – Técnica...pois então eu não sei, fica a critério dele. Eu não tenho que falar nada pois quando for convocado eu jamais vou querer estar num clima ruim com o pessoal. É como ele falou, se a questão foi técnica ou física enfim, eu só não gostei de não ter recebido nenhuma ligação.
TN – E toda essa situação pode ter haver com a sua não adesão ao Boicote a Copa Davis liderado por Gustavo Kuerten em 2004 ?
MD – Espero que não, senão o jogador acaba “pagando o pato” por algo que não tem culpa. Acredito que não. As pessoas da atual direção da CBT têm trabalhado de uma forma muito legal comigo e comecei a entender mais os projetos dele. Nunca tive nada a favor da outra direção da Confederação (a de Nelson Nastás) e quero mais que ela faça o melhor pelo tênis. Se existe algum problema com os jogadores, acredito que não deva ter, espero que não aconteça isso. Não tenho nada que opinar na convocação do capitão da Davis.
TN – Você é amigo do Tomas Behrend, gaúcho de Novo Hamburgo, que hoje joga com cidadania alemã. Chegou no início deste ano a se especular sobre uma atuação dele no time brasileiro da Davis. Você apóia a presença dele na equipe ?
MD – O Tomas já quis jogar pelo Brasil. Há alguns anos atrás, não me lembro quando, mesmo ele tendo cidadania alemã, ele foi chamado para a equipe deles, mas aqui no Brasil pediram para ele esperar um pouco pois disseram que ele iria. O Tomas ficou na expectativa. É a história que eu sei, mas não quero citar nomes. Na ocasião a Alemanha tinha chamado ele duas vezes, mas ele não foi. Agora, se a volta dele pode acrescentar para o Brasil , beleza! Mas isso depende dele, não sei o que fará da vida.
TN – Como você define seu estilo de jogo ? Seu melhor golpe ?
MD – Posso jogar tanto do fundo como na rede. Jogo bem pesado do fundo. Gosto bastante da minha esquerda que é um golpe mais sólido, mas eu ataco mais com a direita. Uma deficiência é na aceleração do saque. Meu saque está bom, mas preciso melhorar na aceleração e trabalhar melhor porque o nível ta alto. Podendo trabalhar o saque para ganhar mais pontos de graça é melhor.
TN – O que representa o tênis para você hoje ?
MD – Tênis quando começou e a vida inteira foi por puro prazer. O que quero poder ter é jogar com alegria e estar o mais preparado possível para poder entrar na quadra pois há uma pressão todo o dia já que do outro lado tem um cara querendo ganhar de você. Seu escritório é a quadra. Seguir desfrutando, treinando bastante, dar o máximo. Eu sempre treino o dobro para poder melhorar. Enquanto isso, vou treinando e treinando que daqui a pouco a história muda.
TN – E hoje em dia quem te apoia, patrocina ?
MD – A Lotto de material esportivo e roupa a Head de raquete. Mas falta dinheiro e isso é normal , é difícil de você jogar, mas não adianta tem que estar com uma estrutura boa. Sem esse apoio, que é o que a gente espera que possa ter essa ajuda para poder crescer.