Por Fabrizio Gallas, direto da Costa do Sauípe
Impossível alguém não ter ficado emocionado na despedida de Gustavo Kuerten do maior torneio do país, o Brasil Open. Nem mesmo Carlos Bernardes, árbitro que realizou a partida final de Guga contra o argentino Carlos Berlocq, se conteve tanto durante o jogo quanto na entrevista exclusiva ao Tênis News.
E olha que experiência em aposentadorias ele tem pois fez o primeiro jogo do último torneio de André Agassi no US Open de 2006 contra o romeno Andrei Pavel (ele se aposentou definitivamente na derrota para Benjamin Becker na terceira fase).
Ainda na entrevista, Bernardes criticou o modo como vem sendo utilizado o Hawk-Eye que inibe até os juízes e ainda minimizou a polêmica que envolve o espanhol Rafael Nadal na demora para sacar.
Tênis News - Quer dizer então que Carlos Bernardes é o árbitro das despedidas, a primeira foi o Agassi e agora o Guga ?
Carlos Bernardes - Não é bem das despedidas, mas sim foi sorte de trabalhar nessas duas partidas. São jogos diferenciados, você vê o jogador entrando emocionado na quadra. O Agassi foi a antepenúltima partida, foi o último torneio no primeiro jogo contra o Andrei Pavel, ele depois jogou mais dois e se despediu por fim na 3a. rodada. Mesmo você sendo árbitro bastante rodada com muitos jogos importantes você tem aquele sentimento diferente, dá aquele arrepio.
TN - Por acaso esse sentimento atrapalha seu desempenho no decorrer desse tipo de jogo ?
CB - Não. O que mais agente sente é que pode ser o último jogo daquele tenista, mas até a hora que o jogo começa você se foca e acaba arbitrando como uma partida normal. O antes e o depois da partida são os mais difíceis pois você vê primeiro que pode ser a última da carreira e depois se dá conta que foi.
TN - E como foi essa escalação pro jogo do Agassi ? Você ficou sabendo no dia ou já estava escalado anteiormente ? Como recebeu a notícia de que faria este jogo ?
CB -A despedida do Agassi foi mais ou menos igual a de Guga. Eu fiz alguns jogos dele em torneios anteriores, uma em Los Angeles outra em outro torneio. Essa do US Open foi logo no primeiro dia do torneio na segunda à noite e foi apenas um jogo, eles sempre põe dois, mas fizeram um especial e foi uma grande festa. Estava tudo programado pra ser a noite do Agassi. Os tenistas entraram em quadra com o estádio lotado, 23 mil pessoas. Inclusive naquela hora o Pavel olhou pra mim de um jeito como se tivesse perguntando: "Nossa, olha isso aqui!".
Foi um jogo muito bom com três tie-breaks, Agassi ganhou em quatro sets.
TN - Depois da partida qual foi seu sentimento ?
CB - Muita emoção porque agente tem esses caras como ídolos também. Trabalhei no jogo que o Agassi ganhou o primeiro título em Itaparica (BA) também eu era juiz de linha. Depois o cara subiu, virou número 1, caiu, voltou de novo, ele também tinha o carisma que o Guga tem.
TN - E no mesmo ano além dessa despedida do Agassi você também fez a final do torneio...
CB -Foi um torneio bem especial pra mim. São dois momentos distintos. A final pois por trabalhar para ATP a gente tem raras chances de fazer uma final de Grand Slam que é da ITF a não ser que você seja do país que é realizado o torneio, mas eu não sou francês, nem inglês, nem australiano e fazer essa final foi a realização de um sonho.
TN - Há 10 anos como Gold (mais alto status de um árbitro) e uma final de Grand Slam no currículo, quais são outros sonhos, objetivos na carreira ?
CB -A final da Copa Davis. É um torneio à parte, tem poucas vezes por ano, é bem diferente do que o normal e talvez outros Grand Slams. Na ordem Wimbledon pela tradição e depois Roland Garros pois é charmoso, torneio no saibro.
TN - Paulo Pereira é hoje supervisor de torneio da ATP depois de ficar um bom tempo como árbitro Gold. Você pretende seguir essa trajetória ?
CB - Esse ano vou começar a estudar para no fim do ano ou início do ano que vem fazer alguns torneios como referee. Iria começar pelos torneios menores, os challengers e talvez teria acompanhamento de outros supervisores pois não é fácil ser referee.
TN - Passando agora do Agassi para o Guga, o juiz das despedidas também fez o último jogo do brasileiro no torneio mais importante do país que ganhou duas vezes...
CB - É uma emoção diferente. Eu vi um tenista entrando na quadra chorando, até mais emocionado que o Agassi que entrou na quadra com lágrimas, mas o Guga entrou chorando mesmo. Todas as homenagens que serão feitas para o Guga serão poucas por tudo o que ele fez para o tênis. Todo brasileiro deve desejar a ele felicidade, que ele tenha saúde porque ele está convivendo com um drama é complicado (pausa para algumas lágrimas de Bernardes que respira um pouco e prossegue) pois ele quer dar o melhor do si, mas o corpo não aguenta mais, então nós temos poucos ídolos no esporte e ele foi um dos maiores.
Tomara que ele mostre nesses torneios todo repertório que apresentou na carreira e mostrou no torneio aqui, mas que isso não o atrapalhe pro seu futuro. Foi difícil ver ele naquela situação de ontem, sofrendo bastante. Quando a coisa entra na parte física não dá mais pra se divertir na quadra. Ele fez mais do que se poderia esperar de qualquer tenista ainda mais com a desorganização de nosso tênis. Ele e o Larri estão de parabéns por tudo que fizeram, um dependia do outro, um completou o outro. São poucas pessoas que conseguem chegar lá e se manter no topo é mais difícil ainda. Ele é um dos tenistas mais queridos do circuito, os tenistas latino americanos assistiram seu jogo. No final é isso que fica, não só o Guga dentro da quadra como fora.
TN - Sabemos que a ATP orienta os árbitros a não ter qualquer relacionamento com jogadores, sempre buscando a imparcialidade. Como era seu contato com o Guga no circuito ?
CB - Relacionamento muito bom, conversavamos às vezes, tomava café em algumas oportunidades, mas temos essa coisa: não podemos sentar na mesa do jogador, mas se ele vier até nós e sentar conosco não há problema. Tive a honra de fazer boas partidas dele, de acompanhá-lo desde que ele não era o Guga número 1. O mais importante é que ele nunca mudou, sempre foi a mesma pessoa e isso é importante pois o dinheiro, a fama e a mídia sobem na cabeça da pessoa e podem mudar. Por isso que eu sempre respeitei ele. O tênis é um mundo da fantasia, se a pessoa não tiver cabeça ela se empolga e não vive a realidade. Quando a pessoa se está em cima todo mundo bajula, se aproxima, agora quando está por baixo é que ela vai perceber quem estava só por causa da fama. O Guga foi, voltou e todo mundo ainda adora ele. Ontem tava cheia as arquibancadas aqui e provavelmente será o único dia cheio aqui no Sauípe, porque era o Guga, o pessoal não veio ver o Guga número 1, mas sim o Guga, a pessoa dele, igual ao Agassi.
TN - Você conseguiu fazer alguns jogos importantes do Guga ? Sabemos que os árbitros por questões éticas não costumam realizar partidas de tenistas de seu país.
CB - Fiz alguns jogos bons dele, um engraçado em Estoril dele e o Fernando Meligeni nas duplas contra dois portugueses que parecia uma Copa Davis pela torcida. O que a ATP tenta fazer é evitar colocar a mesma nacionalidade para evitar conflito. Alguns juízes conversam com oponente para saber se há alguma restrição porque ontem a torcida poderia influenciar. Eu terminei o jogo Guga e Calleri na final do Brasil Open em 2004. Um árbitro que não falava português começou o jogo num dia, depois choveu e eu fiz no dia seguinte. É difícil você se comunicar com o público se você não fala a língua , só pedir silêncio não vai adiantar. Então ontem o Paulo Pereira me chamou pra fazer esse jogo por causa disso, pois temos um árbitro aqui que é belga e seria complicado pra ele, mas a torcida se comportou bem.
TN - Você chorou ontem ?
CB - Chorei, assim como chorei aqui nessa entrevista. Eu chorei no discurso dele, na entrada eu segurei. Até o Berlocq deve ter se emocionado. Ele era um ídolo pra todos e os latino-americanos gostavam muito dele. Me lembro de uma final dele contra o Jose Acasuso em Buenos Aires, incrível que metade da torcida eram de argentinos a favor de Guga.
TN - Observei durante o Australian Open que Hawk-Eye, o replay-instantâneo, aparelho que verifica a marcação dos juízes, vem fazendo com que alguns juízes entrem de uma forma mais burocrática nos jogos. O que acontece ? Os juízes recebem instruções para acreditarem mais no Hawk-Eye ?
CB - É um sistema novo e se você não trabalha muito com ele, você se sente pressionado, inibido. Não somos recomendados a sermos omissos, temos sim a recomendação de sermos como somos na quadra. Um árbitro que trabalha com Grand slams, se ele fizer umas oito partidas com o replay por ano, é muita coisa. Quando você faz uma chamada, você precisa estar 100 % seguro do que está fazendo. A partir do momento em que se instala uma máquina que diz se a bola foi boa ou fora, às vezes com um milímetro dentro ou fora, passa a ser mais difícil pro juiz chamar e também pro jogador fazer o desafio.
Outro lado da questão é a confiançca do jogador no árbitro. Se ele já te conhece, se você já fez jogos dele, ele tende a acreditar mais em você, agora se é o contrário aí não. Então temos o problema do árbitro vender a chamada, o jogador estar acostumado com ele.
Não temos um problema somente com o Hawk-Eye, mas um sistema que está mudando o tênis, só que se você tem um torneio que não tem grana para botar o Hawk-Eye, ou põe somente na quadra principal, a arbitragem e os jogadores vão sofrer com isso. Põe na quadra qualquer jogador que nunca usou o aparelho, ele vai ficar confuso. Se ele erra uma bem discrepante, erra duas, ele já não vai mais fazer, e talvez até o público interfira e vaie ele.
O replay é uma coisa boa para o público e a mídia, é um espetáculo, mas não é bom para jogadores e árbitros. A partir do momento que você limita, põe em uma duas quadras, e o jogador 50, 60 do mundo ? Ele tem direito igual ao da quadra central. O sistema não apaga todos os erros. Quando eles criarem um sistema para todo mundo, aí será bom para o tênis.
A mesma coisa que o time violation, que limita em 25 segundos pro jogador sacar. Imagina só se fosse igual a NBA quando apita o aparelho quando estoura o tempo. No tênis isso não ia dar jogo.
TN - Você tocou em um assunto interessante. Todos reclamam de Rafael Nadal por demorar muito a sacar. Os juízes contam o tempo dele ? Estão de olho nele ?
CB - Contam sim, mas o problema maior não é dar ou não dar advertência ao jogador por isso. Não analisamos o tempo em si, mas sim o que aconteceu no ponto , se os dois estão jogando no mesmo ritmo, são várias coisas analisadas, temos que usar o bom senso. Se tiver um problema com tempo seria melhor pôr o apito de tempo, mas aí seria ridículo pois não haveria jogo. Nós temos as estatísticas que fazemos no fim do ano e o Nadal está fora da lista dos jogadores que tomaram advertência por tempo.